"Terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária." C. Linspector

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Muito cedo foi tarde demais

Eu seria tolerável outra pessoa. Predicados cobiçados socialmente permanecem em alguma esquina dentro. Pintura. Artesanato. Costura. Canto. Se aformosar. Uma empatia com crianças singularmente excepcional. Equiparada talvez ao meu maior condão doméstico, o trato com panelas e fogo. Modéstia a parte, formidável.

Todavia não posso ser essa. E nem outra. E nem a outra do pensamento ou da música.

O que transpassa, cruza e fura, tem os pés para trás. De dotes, os percebidos em balcões de acepipes. Junto uma inclinação pela lazeira humana que alardeia a hipocrisia de vala de quem me acompanha. Bufo. Desmantelo os modos. Evidencio regalo, deleite e alforria sexual. Atrás, alforria de trato e relacionamento. Sujo o rouge e o delineador. Não me emociono. Chego a fingir, mas falta. Sempre falta o que me escapa. E bebo. Bebo. bebo. Tenho uma língua, não, línguas, que sinto lambendo o licor que escorre em minhas entranhas. Pela traqueia, a qual velo não ter ainda em suas aderências o negrume do fumo. Pelo estômago que se arrelia e pelo intestino que remanesce. O fígado, rins e pâncreas sucumbiram modicamente e um pouco mais a cada ano. E ainda, desviam-se os camaradas, e eu permaneço. Por vidas inteiras, permaneço.

Será assim?
Eu seria tolerável outra pessoa. Eu seria agradável outra pessoa. Talvez mais interessante outra pessoa. 
Será?

Certa vez, em Marguerite Duras:
"Muito cedo na minha vida foi tarde demais. Aos dezoito anos era já tarde demais. Entre os dezoito e os vinte e cinco anos o meu rosto partiu numa direção imprevista. Aos dezoito anos envelheci."