"Terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária." C. Linspector

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Um noite. Duas palavras e o resto. (parte I)

O telefone tocou no andar de cima.
- É para você nega!
...
Ela arregalou os olhos, já era tarde em demasiado para alguém ligar, e no telefone do senhorio... Certamente haveriam reclamações. Ela jogou o penhoar sobre a fina camisola, pediu que a mais nova olhasse a criança no berço e saiu pela porta. Subiu correndo as escadas de madeira velha do velho sobrado - que rangiam a cada pisada forte, atravessou o longo corredor pontilhado de várias portas iguais, atrás de cada uma histórias de samba-canção. Quando o fone gelado do preto e velho telefone tocaram sua orelha, não precisou avisar, a voz saiu naturalmente do outro lado da linha.
- Quero te ver.
Primeiro o peso no peito. Depois a respiração e os ombros pesaram.
- É tarde, você enlouqueceu? - Tinha um quê de satisfação no tom da voz que ela tentava tornar imperceptível, em um duro exercício. - Onde você está?

- Em Copacabana, com uns amigos. Mas saio daqui agora, vou te buscar. Quero te ver.
...
- Não! Espera. Mas... não é hora. Não posso sair, estou praticamente ainda com a criança em meus braços. Acordada. E tem mais, por quê? Aconteceu alguma coisa?
- Eu só quero te ver. Que mal... Eu espero pelo sono do menor. Quando você poderá? Meia hora?

Naquele momento todo o seu corpo vibrava. A ponta da língua já tinha formulada e pronta a negativa. Sabia o que fazer, estava certa. Afinal, que disparate! O dia corria bem, penúltimo do ano. Estava fazendo os encaixes finais, últimos ajustes de pensamentos. Apreciou a calmaria que a semana lhe proporcionou. E ele sempre lhe trazia o oposto. Vendavais.
Mas houve um segundo, um milésimo talvez. Onde ela pestanejou e uma força oposta e muito mais perspicaz lhe passou pelas pernas, subiu pela espinha, deu uma banda na retidão e estava feito.
- Meia hora. Desço em meia hora.

Passou as mãos pelos cabelos, têmporas. Precisava de um banho. Já estava feito, pensava. E o que estava por vir já tinha cruzado a sua estrada outras vezes.